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Crítica: Boy Erased: Uma Verdade Anulada – ★★★★☆ (2019)

Baseado em fatos e numa obra bibliográfica homônima, Boy Erased: Uma Verdade Anulada, de 2019, e sob a direção de Joel Edgerton, aborda uma situação que hoje parece extremamente chocante, mas já foi muito comum e até buscou respaldo nas ciências, sem sucesso, que é a busca por algum tipo de cura ou reversão sexual ante um diagnóstico de um jovem homossexual. A homossexualidade, ao lado de outras orientações sexuais, manifestações, expressões ou identidades sexuais já esteve configurada com perversão ou degeneração em antigas listas psiquiátricas de doenças mentais. Apenas com muito avanço em estudos e com uma enorme e lenta evolução de pensamento e posturas sociais, hoje entendemos a orientação como algo natural, muito embora, esse ponto de vista não seja compartilhado por todos nós, indivíduos ou instituições. 

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O protagonista do longa, Garrard, interpretado por Lucas Hedges é um jovem de 19 anos que é internado por seus pais em uma espécie de retiro religioso dirigido a tratar jovens homossexuais. Garrard nos conduz muito bem em sua desorientação sobre o tratamento que lhe é imposto e em seu crescente desconforto. O retiro mais parece um campo de concentração, ministrado por pastores que conduzem os jovens a atividades de cunho pseudo terapêutico no combate à manifestação de sua orientação sexual. 

Os pais do jovem (interpretados brilhantemente por Russel Crowe e Nicole Kidman) conseguem nos transmitir também que estão em completa desorientação sobre como tratar a questão com o filho. Isso fica explícito em cenas onde podemos perceber o amor verdadeiro dos pais, mesmo com o fracasso na criação ao mandá-lo para o retiro. Isso produz em nós, telespectadores, um misto de pena e repúdio, justamente por compreender que pode haver amor apesar da névoa religiosa que embaça a visão dos pais nesta questão.

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O filme consegue tocar em assuntos delicados e pertinentes sem chocar e com uma progressão muito bem cadenciada. Aos poucos podemos perceber os mecanismos que regem essa postura homofóbica; mecanismos religiosos, ideológicos e que atrapalham a criação que permite uma livre via de contato e intimidade com o filho. No retiro, existem também outros jovens que são igualmente capazes de nos conquistar e fazer com que desejemos que se libertem o quanto antes, muito embora a expressão de jovens adolescentes contra tantos mecanismos seja quase nula. 

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Muitos núcleos do filme poderiam se estender tanto quanto a imaginação do diretor alcançasse, mas ele opta por seguir um caminho bastante intimista, foca na relação do filho com os pais, que de certa forma são as pessoas verdadeiramente doentes da trama. Juntamente com a performance brilhante de Crowe e Kidman, podemos inclusive fazer um diagnóstico do quanto aqueles pais eram inaptos a conviver e abordar questões naturais que afloram no decorrer da criação dos filhos, ao mesmo tempo que temos pena dos mesmos por serem tão desorientados em tais aspectos, ainda que a trama se perca em voltas a assuntos e arcos que poderiam ser trabalhadas de maneira mais sucinta, que beiram a nos cansar dos mesmos impasses. 

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O longa conta com a participação especial de Flea, o baixista da banda Red Hot Chilli Peppers, que quase passa despercebido pela ótima atuação como um dos instrutores do programa de cura gay. O cantor Troye Sivan também é uma pérola escondida no longa, pronta para ser encontrada pelos fãs. 

Muito provavelmente você vai terminar de assistir esse longa sentindo enorme indignação pelo modo como a homossexualidade já foi vista, tanto pela igreja, quanto pela ciência e tambem pela sociedade. Infelizmente muitas identidades e subjetividades foram destruídas e apagadas em nome da manutenção e ordem social. O entendimento da homossexualidade e de uma grande variedade de outras identidades sexuais como natural é algo extremamente novo no mundo e podemos ter certeza de que manchas na história, como essa retratada no filme, acontecem e acontecerão ainda inúmeras vezes em nome de algum bem maior. Que estas nos sirvam como modelo de aprendizado sobre tamanhas monstruosidades que já fomos capazes de aceitar enquanto sociedade e que agora somos mais preparados e mais educados para compreender. O filme traz uma mensagem sobre a naturalização da orientação muito sutil, operando antes dentro de núcleos homofóbicos e doentes e abordando seus mecanismos psicológicos. Uma verdadeira imersão numa tragédia anunciada. 

Sobre Emerson Dutra

Um psicólogo que tem o mundo nerd como seu guarda roupa para atravessar para uma Nárnia que é mais divertida, interessante e justa que nossa realidade compartilhada.

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